uma Analise de três candidaturas ao legislativo
municipal de mulheres de terreiro no Rio GRANDE DO SUL
Ìyá Sandrali
de Ọ̀ṣun [2]
Resumo:
Os avanços das ações afirmativas
referente às candidaturas de mulheres no poder legislativo são incontestáveis:
fruto da luta e conquistas do movimento social na viagem
em busca da equidade de gênero e raça em todos os espaços da sociedade
brasileira. As mulheres negras de terreiro também tem feito essa viagem.
Permitam-me utilizar da forma poética para definir a situação: o trem é o mesmo
e embarcamos na mesma estação. A diferença está no lugar que nos tem sido
reservado neste trem. Juntas limpamos a estrada e desentortamos os trilhos;
juntas escolhemos o destino. Juntas escolhemos a estação e juntas colocamos o
combustível; juntas aquecemos a máquina, lubrificamos as peças; juntas damos a
partida. Mas ainda não sentamos nos lugares destinados à primeira classe,
aliás, ainda não conseguimos romper com este modelo excludente. Estes lugares
continuam sendo ocupados por uma minoria e pouca foi a mudança nas poltronas. A
cidade coloriu-se com turbantes, saias, colares. Mas não se consegue mesclar,
na mesma proporção, os espaços de poder, com ‘as cores’ e os saberes das mulheres
negras de terreiro. O poder negro/feminino e a visão das mulheres negras,
diante da política, não têm corporeidade. Então, utilizando a visão senso-perceptiva da tradição de matriz
africana, pretendo analisar como o binômio racismo-machismo no imaginário
coletivo da política resulta no impedimento para mulheres negras de terreiro.
Palavras-chave: Racismo, Mulheres de Terreiro, Política, Feminismo Negro
Deslocando verdades: pelos caminhos e trilhos da tradição
afro-brasileira
Uma comunicação oral que se
utiliza da sensopercepção da tradição de
matriz africana como ferramenta para analisar três candidaturas de mulheres
negras de terreiro, ao poder legislativo de duas cidades com alto índice de
população auto declarada de matriz africana e afro-umbandista, no território
sul-rio-grandense, permite-me iniciar saudando o Mensageiro da Comunicação, Bará,
o Senhor do Corpo e dos Caminhos e
recorrer ao princípio da oralidade como caminho inicial na encruzilhada de
saberes, lugares e agenciamentos de verdades que compõe o 13º Mundos de Mulheres & Fazendo Gênero 11.
De
acordo com o lugar por onde me referencio enquanto mulher negra, com saber
iniciático na filosofia tradicional de matriz africana e afro-umbandista,
Batuque do Rio Grande do Sul, e no povo da tradição yorùbá, quando Olódùmarè, O Ser supremo, Senhor da Existência e
do Universo criou a Verdade, ele a fez como um grande
espelho sagrado entre o òrun e o àiyé e o confiou aos cuidados de uma filha de Oxum. Todos os dias ela cuidava da Verdade com esmero de quem reconhece a
Beleza e o Sagrado que existe em si, na Outra
Pessoa e em todos os seres vivos e não-vivos. Um dia, por um descuido,
destes que não são conscientes, mas que tem origem no desejo intrínseco de
novas possibilidades e descobertas, o espelho se quebrou e espatifou-se em
milhares de pedaços, tantos quantos são os seres existentes no Universo.
Preocupada, compreendendo que provocara uma mudança, pois, uma vez, quebrado o
espelho não teria como reconstituí-lo, dirigiu-se a Olódùmarè, temerosa. Olódùmarè, na sua Sabedoria Infinita de que o Acerto existe porque o Erro
o provoca, lhe disse: Agora a Verdade
dividiu-se em milhares de pedaços e
espalhou-se em todos os lugares e para todas as pessoas, isso fará com que cada
pessoa diga: eis aqui a Verdade, eu a
tenho.
Bàbá conta que seu Bàbá contava que
sua Ìyá contava e eu me utilizo do direito sagrado da palavra para dizer que
a Verdade foi distribuída por Ọ̀ṣun, a Senhora da Fecundidade, por entender que o Poder da Onipresença e da Onisciência faz parte da conjunção da
Energia Feminina e da Energia Masculina para que as pessoas possam nutrir-se da
presença e do conhecimento de todos para conquistarem o poder de ‘Si-Próprio’ e o Lugar da Verdade ser aquele que está relacionado com o lugar da
vivencia de cada um. Diante disso, quero afirmar
que, também, tenho meu pedaço de espelho e se, por algum
momento, parecer que esteja falando como sendo dona da verdade toda, que as minhas ancestrais possam me mostrar que sem a verdade de cada um e de cada uma, que
comigo partilha esse momento de troca de saberes, transformações, conexões e
deslocamentos, em tempos de resistência, a construção da unidade na luta das
mulheres torna-se impossível.
Contudo, é preciso reafirmar que enquanto não houver paridade de gênero e
equidade racial, em todos os momentos, a luta das mulheres negras por direitos
e por bem viver ainda será vista como concessão e não como uma conquista.
Conectando verdades: Povo de terreiro na viagem em busca da equidade de gênero e raça
A
sociedade e o estado brasileiro têm uma dívida histórica secular, para com o
Povo de Terreiro, sobretudo com as mulheres negras que sustentaram e continuam
sustentando, de forma fascinante, as
comunidades religiosas de matriz africana, em contraposição às ações e
estratégias que, por mais de quinhentos anos, estão circunscritas no ideário de
aculturamento racista e machista que, de forma perversa, destituiu e
desconstruiu a ordem e a organização da cosmovisão de um povo cuja dinâmica
civilizatória transcende a lógica da subjetividade individual. Assim o é em
todo território brasileiro e não seria diferente no Rio Grande do Sul, estado
cujo imaginário social construiu uma representação de um lugar com
características europeias, habitado por descendentes italianos e alemães numa
tentativa de supremacia em relação aos demais grupos étnicos que compõem a
formação da população desse estado.
A historiografia do Rio Grande do Sul é
permeada por temas controversos em relação a participação do negro que
transcende à construção identitária do povo sul-rio-grandense. Entretanto, a
cada ressignificação da memória, na perspectiva do estudo da história da África
e dos africanos e da luta dos negros na diáspora, fica evidente que a dinâmica
civilizatória de matiz africana está intrínseca na busca da identidade afro-brasileira
e da afirmação do pertencimento construídas a partir da recomposição de valores,
que tem como premissa ontológica a preservação da vida. Esse processo recompõe
e ressignifica a herança combativa de homens e de mulheres que foram
escravizados e serve de referencial às iniciativas pioneiras dos movimentos
sociais negros, incidindo na luta por políticas públicas em defesa dos direitos
da população afrodescendente como um todo.
No ano de 2011, Ano
Internacional do Afrodescendente, dignitárias e dignitários
dos Povos de Terreiros da cidade de Porto Alegre e de municípios do Estado do
Rio Grande do Sul potencializam a Marcha Estadual pela Vida e
Liberdade Religiosa no Rio Grande do Sul e entregam uma carta ao governador
Tarso Genro, como um ato simbólico de inauguração de um novo patamar nas
relações do movimento social com o governo, ressaltando a importância de um
diálogo produtivo e efetivo junto ao estado.
O Povo de
Terreiro do Rio Grande do Sul tem dado mostras de sua capacidade organizativa,
bem como realizado avanços na construção de políticas públicas; a organização
das mulheres de terreiro espelha esses avanços, assumindo responsabilidades e
tarefas na manutenção dos espaços conquistados, da mesma forma combativa com
que suas ancestrais assumiam e desafiavam a escravidão, muitas vezes pagando
com a vida pela sua resistência e desafio.
O racismo
e o machismo são estruturantes do sistema colonialista e nos atinge de forma
muito brutal. O feminismo ocidental não nos contempla e o machismo nos atinge,
indistintamente, e poucos são os recursos que tem se mostrado eficiente em se
tratando de protagonismo político, social e econômico que revertam na ocupação
do espaço do poder legislativo, ou seja, no lugar de criar leis, lugar onde
poder-se-ia contribuir com a vitalidade da força da mulher negra de terreiro,
em políticas de combate ao binômio racismo/machismo, principal entrave no
transcorrer dessa viagem. Tudo isto, e muito mais, são fios tecidos pelas
mulheres de terreiro com alteridade negra e feminina do nosso Estado, sobretudo
tendo como força condutora o arcabouço civilizatório presente na memória
ancestral e na sabedoria matricentrada,
das mulheres que vieram antes e lutaram pela conquista da cidadania, como
refere Helena Theodoro,
Ser cidadã negra brasileira é sair da retaguarda para a vanguarda, com
todo o potencial herdado da comunidade negra, com toda a espiritualidade e arte
de nossas ancestrais – borboletas coloridas, presas em mel estragado, se
arrastando pelo mundo, mas plenas de sonhos e visões. (THEODORO, 1995, p.57).
Município:
Um deslocamento possível na interação de forças criativas
O Município, enquanto
espaço entendido como lugar onde as atividades humanas são exercidas numa troca
direta no âmbito das relações cotidianas que se conectam com as experiencias e
o viver das pessoas, de forma concreta, mediadas por possibilidades e
interações que mobilizam forças criativas, potencialmente condutoras de
respostas aos esquemas de negociação e de desenvolvimento de oportunidades e
garantias de solidariedade, obtenção de saúde, paz e prosperidade, é, invariavelmente, o espaço onde se expressa a
vinculação à arte de aproximação da célula primeira que gera a vida ao pleno
desenvolvimento das condições de promover a existência digna desse viver, ou
seja, é o lugar onde as pessoas nascem, crescem e deveriam ter as mesmas
condições de se desenvolverem integralmente e optarem, ou não, a entrarem em
contato com outros lugares para poderem ampliar
sua compreensão das transformações, conexões e deslocamentos dos mundos
singulares e das diferenças que consagram o sagrado direito de ser.
Dito isto, na visão senso perceptiva
da matriz africana, diante das conquistas das
mulheres, da força ativa do movimento de mulheres negras e dos
avanços nas políticas públicas, não haveria qualquer
barreira, institucional - ou não - que impedissem as mulheres negras de
terreiro, de embarcar nesta viagem ao encontro de uma atuação como parlamentar
que represente sua história e trajetória, numa concepção matricentrada, a
partir do poder de agir em nome de uma coletividade, cuja religiosidade
se anuncia como visão de mundo, como concepção que permeia a existência. No
entanto, é justamente neste momento que o binômio racismo-machismo se expressa
na sua forma mais violenta e cruel, apontando-lhes estereótipos que afetam suas
possibilidades, desejos e motivações para ocupar posições políticas que lhes
facilitassem o enfrentamento do mundo branco e patriarcal.
Da escolha dos municípios: constatando verdades na
possibilidade de embarque
O deslocamento do lugar
de autoridade civilizatória da tradição
de matriz africana para colocar-me no lugar de
pesquisadora afirma um método de interdependência entre razão e emoção, entre sentir,
perceber, pensar e agir que caracteriza uma concepção de mundo diferenciada da filosofia
judaica cristã e da concepção ocidental de análise da realidade, ou seja, como
refere Jose Carlos dos Anjos (2008), na concepção filosófica afro-brasileira, a
noção de pessoa se contrapõe à noção usual de sujeito político que emana da
modernidade política ocidental, pois concepção de pessoa está estritamente
vinculada ao modo de enxergar o universo, as individualidades, as relações com
os outros e com a natureza numa dimensão sagrada. E é com essa interdependência
que pretendo permear o estudo e análise dos dados por mim pesquisados.
Segundo
dados do Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística – IBGE, Censo 2010, o
Rio Grande do Sul é o estado brasileiro que mais auto-declara o pertencimento às
religiosidades de tradição da matriz africana. Os dados indicam que 315.198
domicílios, mais de 65 mil terreiros espalhados pelo território gaúcho,
configuram um cenário diferenciado enquanto territorialidade das comunidades
tradicionais de matriz africana e afro umbandistas se comparado com os demais
estados brasileiros, podendo suscitar outros estudos, inventários e formulações
sobre as relações inter-religiosas no solo sul-rio-grandense.
Porto
Alegre apresenta a maior concentração de domicílios, ocupando o primeiro lugar
com 94.571 de domicílios com auto declaração de pertencimento e Pelotas
apresenta um escore de 22.178 ficando na quarta posição entre os municípios que
apresentam domicílios com auto declaração de pertencimento à tradição de matriz
africana e seus desdobramentos de declarações de religiosidades
afro-brasileiras.
Além do índice de domicílios autodeclarados de tradição
de matriz africana e seus desdobramentos, como Batuque, Umbanda e outras
denominações de religiosidades afro brasileiras, a escolha de Porto Alegre e
Pelotas como espaço a ser sentido, percebido e pensado enquanto lugar de
possibilidades eleitorais para mulheres negras de terreiro, também há que se
considerar o índice de população de pessoas negras e pardas. Entre
as dez maiores cidades do Rio Grande do Sul, Porto Alegre é a que possui a
maior população de negros e pardos: 225.354 pessoas. No interior do estado,
Pelotas é o município que apresenta a maior população de negros: 51.567
pessoas. A população total destas cidades é de 1.360.590 e 323.158, respectivamente,
ou seja, tratando-se de percentuais, Porto Alegre apresenta um percentual de
negros e pardos de 16,5% da população total e Pelotas um percentual 15,9% da
população total.
As candidaturas: limpando estrada,
desentortando trilhos, já temos o combustível.
O senso comum nos fez acreditar que religião e política
não se misturam nem se discute e não era ‘coisa pra mulheres’. Por muito tempo nossas mais velhas se mantiveram
no lugar de acolhedoras, em seus terreiros, recebendo os políticos, - homens brancos
- que, em troca de pequenas concessões e
promessas de melhorias no espaço do terreiro, usufruíram da confiança e do
envolvimento das Mães/Ìyás , em suas
candidaturas, apropriando-se do carisma, da liderança e do respeito que mães (e pais) de santo exerciam (e
exercem) perante suas comunidades e no entorno, sobretudo pela relação que o
terreiro estabelece com a comunidade, ou seja, preservação de princípios
civilizatórios amalgamados num processo de reconhecimento do Outro enquanto Força-Ser a serviço da coletividade.
A partir da noção de pessoa em conexão com a
história, cultura e religiosidade afro-brasileira, atribuí uma dijina a cada
uma das candidaturas: Yemowo, Maré e Alupande - e tratei o espaço do pleito
eleitoral como um patrimônio imaterialmente sagrado já que, conforme refere a
concepção que norteia o pensamento filosófico negro-africano o nome
individualiza, situando-o no grupo, mostrando sua origem, sua atividade e sua
realidade como pertencente a uma comunidade com a qual estabelece um
compromisso que dá sentido à vida em coletividade e isso é sagrado, pois todas
as atividades humanas tem um caráter sagrado, principalmente aquelas que emanam
do compartilhamento do poder de realização.
Para formatação do perfil da candidatura fiz a coleta de
informações no portal do Supremo Tribunal Eleitoral e nos sites disponíveis
referentes às eleições 2016.
Candidatura Yemowo : Reginete Souza Bispo Òmóriṣá (filha-de-santo), negra,
socióloga com especialização em Direitos
Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS. Atua desde o
início da década de 80 em movimentos sociais, em direitos humanos, contra o
racismo, atuando junto as
comunidades quilombolas, especialmente na luta pela regularização fundiária do
Quilombo dos Alpes, um dos poucos quilombos que vivencia a tradição de matriz
africana enquanto religiosidade; defensora da laicidade do estado, integra o
movimento de luta contra a intolerância religiosa e pelo direito à liberdade de
culto. Trabalhou na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, atuou como
assessora especial no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado
do Rio Grande do Sul – CEDES; diretora da organização de mulheres negras Akanni - Instituto de Pesquisa e Assessoria em
Direitos Humanos, Gênero, Raça e Etnias. Atua junto as comunidades de imigrantes e refugiados,
sobretudo os senegaleses e caribenhos. Dirigente partidária, fazendo parte da
executiva do partido e já concorreu em três eleições ao legislativo, incluído
nível estadual. Casada, tem uma filha e um filho, adolescentes, cursando ensino
médio e universitário respectivamente. Mora em Porto Alegre, no bairro
Partenon, na periferia da cidade, com uma concentração significativa de
população negra onde se constata uma série de situações que requerem
intervenções do estado no que se refere às políticas públicas. O bairro também
é reduto de várias casas de religião que se caracterizam pela permanência
territorial de várias décadas. Candidatura pelo Partido dos Trabalhadores – PT.
Coligação PT/PCdoB. Plataforma eleitoral: Vamos
construir um mandato para: Combater o racismo, machismo, homofobia, transfobia,
e a intolerância religiosa. Criar políticas de proteção, acolhimento e
adaptação a imigrantes e refugiados. Atuar na regularização fundiária e preservação
dos territórios tradicionais. Construir estratégias solidárias no enfrentamento
a violência e ao racismo institucional, responsável pelo genocídio da população
negra. Fortalecer políticas de reconhecimento e valorização cultural das etnias.
Nome na urna: Reginete Bispo Votos: 1199 Resultado da votação: suplente
Candidatura Maré: Nilza Terezinha Marques Valinodo. Ìyá Nilza de Yemanjá,
Ìyálóriṣá (mãe-de-santo), setenta e
um anos de idade, negra, nível de instrução de ensino médio, líder comunitária,
com pertencimento nas comunidades carnavalescas, dirigindo uma organização de
‘baianas independentes’ que desfilam nas escolas de samba de Porto Alegre e em
outros municípios; divorciada, mãe e avó, abriga em sua casa, filhas e netos, além
de algumas filhas-de-santo, sempre que isso se faz necessário; tem vínculos, de
longa data, com lideranças afro-religiosas e relações políticas atuando como
apoiadora de candidaturas. Integra a Rede Nacional de Religiões
Afro-brasileiras e Saúde/NúcleoRS. Participou no documentário Cuidar nos Terreiros. Fez parte da
Comissão Impulsora de criação do Conselho do Povo de Terreiro e é conselheira,
representante do município de Porto Alegre, no Conselho do Povo de Terreiro do
Estado do Rio Grande do Sul. Mora em Porto Alegre, no bairro Bom Jesus, bairro
periférico da cidade com grande número de moradores negros e ‘casas de religião’ com longo histórico
de territorialidade no local, sendo considerado no imaginário social um bairro
de batuqueiros. Candidatura pelo Partido Verde – PV. Plataforma eleitoral: Mãe Nilza de Yemanjá, a força de uma
guerreira. A Oportunidade de Mudança. Propostas: legalização das casas de religião africana e luta pelos direitos do
povo de axé. Inclusão social e capacitação para os moradores de periferias da
nossa cidade. Elaboração de projetos de oficinas do segmento do carnaval, como
forma de incentivar a geração de emprego e renda e fomentar a cadeia produtiva
do setor. Assistência e monitoramento a criança e ao adolescente.
Nome na urna:
Nilza de Iemanjá Votos: 219 Resultado da votação: não eleita
Candidatura Alupandé: Patrícia Peres Pontes, chefe de terreiro de linha cruzada, negra, casada, professora de
ensino fundamental, cursando faculdade de Educação, microempreendedora,
quarenta e três anos de idade. Iniciada no Batuque por um babalorixá influente
na cidade de Porto Alegre, Pai Juarez do Bará. Tem importante pertencimento na
linha cruzada (quimbanda), cujo crescimento é notório no Rio Grande do Sul e
países do Sul do continente, especialmente, Uruguai e Argentina. Faz parte da
associação AFROCONESUL. Promove eventos
festivos de caráter religioso, como por exemplo, o Encontro de Exubandeiros: Personalité. Apresenta um programa de caráter
religioso e sócio cultural, A Voz da
Cidade, na TV Cidade Pelotas canal 20 da Blue. Mora em Pelotas,
no bairro Cruzeiro do Sul, periferia da cidade com população negra
significativa e um número, considerado relevante, de centros de religião afro
brasileira. Candidata pelo Partido Democratas - DEM, coligação DEM-PTC-PHS. Plataforma eleitoral·:
Não encontrada plataforma, nem propostas. Nome na urna: Patrícia Pontes. Votos: 124. Resultado
da votação: Suplente.
Deslocando verdades: O preço moral de uma candidatura de
mulher negra de terreiro
Ser mulher
e atuar no campo da política é um desafio gigantesco. Ser mulher, negra, de
esquerda, de centro ou de direita atuando na política é um desafio ainda maior, pois os
próprios partidos políticos silenciam as suas figuras públicas femininas,
negras e de matriz africana e afro-umbandista. Essas características se
verificam quando se constata que o deputado federal mais votado, no estado do Rio
Grande do Sul, está na contramão de tudo aquilo que o movimento social defende
e de toda a política que se entende como necessária para a construção de uma
sociedade radicalmente igualitária. Um homem, branco, representante dos setores
mais reacionários do estrato social gaúcho. Os números de votos destinados aos
homens, com discursos altamente reacionários, exigem que tenhamos uma mudança
de postura dentro dos movimentos sociais e dos partidos políticos, sobretudo
dos partidos declarados como de esquerda.
Contudo os partidos políticos, tanto de centro
quanto de esquerda, também apresentam idiossincrasias
em seu fazer que reverberam práticas configuradas na arbitrariedade cultural
que funda a sociedade brasileira sustentada pelo binômio racismo-machismo E é neste cruzamento que observa-se uma
necessidade de dar-se um giro, uma viravolta para que se reflita sobre a forma
que, muitas vezes, são colocados projetos personalistas acima da construção
política, do coletivo e das possibilidades concretas de avanço e consolidação
daqueles e daquelas que vocalizam as pautas e os anseios da população afro
descendente, sobretudo das mulheres negras de terreiro cuja fala não deve ser
percebida apenas como meio de expressão e comunicação, pois na filosofia de
tradição africana falar é agir.
Considerando verdades: o que
nos impede de ocuparmos o lugar no trem do poder legislar
O resultado das eleições de 2016, cujo convite ao
embarque no trem da livre escolha apontava para #SEUVOTOSUAVOZ
numa livre associação do poder da fala representativa e na força da imagem como
veículo de propagação de valores, considerando a ética civilizatória do bem
comum, causa estranhamento a quem acredita na radicalidade da democracia. Porém,
entendo que apenas confirma o fortalecimento de práticas de xenofobia, sexismo e
racismo articuladas nos bastidores do poder e submetidos ao senso comum de uma
sociedade historicamente construída sob a égide vampiresca da culpa e da falta.
Durante o último processo eleitoral, vivenciei, enquanto
coordenadora da campanha de uma das candidaturas, a grande necessidade de
construir, cada vez mais, mecanismos e estratégias, a partir dos pressupostos
civilizatórios de matriz africana e afro umbandistas, de fortalecimento das
figuras públicas femininas e negras que se propõe a serem porta-vozes de ‘Si-mesma’
e de sua comunidade. Contudo essa construção é árdua, pois lida-se com as
adversidades e os impactos causados pelo legado da supremacia branca e machista
que produziu uma ‘vampirização’ faminta
em constante busca de vida saudável para sua sobrevivência.
Considerações finais
neste deslocamento que inauguro no Fazendo Gênero
A
feminilidade negra, não é um conceito que individualiza, não é algo
subjetivo. É algo singular- uma singularidade que se expressa a partir do
coletivo que ajuda a manter a saúde mental. A feminilidade negra,
‘orimentalmente matricentrada’ é a Força Vital que não se categoriza: se
experimenta. A prova de que ela existe é porque eu a sinto como algo que me
assemelha à força da outra mulher que está fora de mim e em toda parte da
Natureza.
Acredito que muito há para ser estudado e aprofundado diante dos
acontecimentos que envolveram as
eleições de 2016. Não existem fórmulas prontas do ponto de vista do
conhecimento, de técnicas e metodologias conceituadas nos espaços acadêmicos. E
concluo essa breve viagem dizendo: antes de
existir a Palavra, existia o conhecimento e sua ação; que antes de existir a
Escrita, podíamos compreender o que conhecíamos e compartilhar; que antes de
existirem as Escolas, existiram e resistem os Terreiros, as Comunidades
Tradicionais, as Rodas de Conversa, a Transmissão Oral, a Transmissão Mãe a
filho-filha, Pai a filha-filho; que antes, inclusive da Palavra e da
transmissão oral ou escrita, existe o Exemplo, a Imitação e a imitação que é
construtiva e criativa, que expande o campo da percepção, das sensações e das
competências humanas; que antes de existirem as escolas, nos Terreiros, nas
Comunidades Tradicionais há a aprendizagem, há transmissão dos conhecimentos,
há um fio condutor que transforma, conecta e desloca todos os saberes.
Title: On the
rails of left, center or right - Back!: analysis of three candidacies to
municipal legislature by black terreiro women in Rio Grande do Sul.
Abstract: The
advancements of affirmative actions regarding candidacies of women to legislative
power are uncountable: result from the struggle and achievements of social
movements that search for gender and race equity in every space of Brazilian
society. The black terreiro women are also in this search. Allow me to use some
poetry to define the situation: the train is the same and we board at the same
station. The difference is in the seats that have been booked for us in this
train. It is together that we clean the road and fix the rails; together we
choose our destination. Together we choose the station and together we fuel;
together we warm the machine up; together we grease the parts; together we
start the engine. But still we do not take the seats that are reserved for the
first class, moreover, we still cannot breakaway from such excluding model.
These seats are still taken by a minority and changes regarding them were
minimum. The city became colorful with Afro turbans, skirts, necklaces. But we
are not able to repeat such mixture, in the same proportion, of the spaces of
power and the "colors" and knowledge of black terreiro women. The
black/female power and the views on black women do not have corporeity, facing
politics. So, through a sense-perceptive view from African matrix traditions, I
intend to analyse how the binomial racism-sexism, in the collective politics
imaginary, results into a hindrance for black terreiro women.
Keywords: Racism, Sexism, Black Feminism, Politics, Terreiro
Women
Referências
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Nome recebido quando de sua
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foi aceito pelos orixás femininos.
Atualmente pertence à comunidade onde militou, nos inícios dos anos
1990, no processo de resistência à remoção da Vila Mirim liderada pela mãe de
santo Dorseliria Maria da Silva, Mãe Dorsa de Oxalá (falecida em 2016). Para
maior conhecimento desta luta pela territorialidade, Ver: DOS ANJOS. Jose
Carlos Gomes. No território da Linha Cruzada: a cosmopolitica afro-brasileira.
Porto Alegre: Editora da UFRGS/Fundação Cultural Palmares, 2006.